Escritos de Rasyon


Arco 01 OCR - Capítulo 01



O Perigoso Convite do Mascarado!


O mundo parecia mais sombrio, Próguito se sentia dessa forma, pois percebera que o mundo não é tão justo e belo quanto acreditava em sua juventude. No julgamento de mais cedo nasceu o desejo em seu coração de nunca ter se matado de tanto estudar direito, afinal mesmo o melhor dos advogados pode falhar diante de uma tribuna corrupta, buscando um bode expiatório para se suas abominações. Ele estava desolado é claro, desonestamente imputaram crimes hediondos em seu amigo, que amanhã seria executado. Por isso repetia consigo "A justiça é cega, mas mais cega ainda é quem a manuseia", demonstrava em seu semblante todo o desprezo que floresceu em seu âmago. Carregava sua maleta na mão direita, que já estava dolorida de tanto apertar os punhos em ataques de um misto de raiva e tristeza. Naquele final de tarde, o sol luzia palidamente, as nuvens dominavam o céu, os ventos guiavam as folhas pelas ruas vazias e balançavam seu marrom constantemente. Nesse horário a maioria das pessoas estavam participando do grande evento anual de Apricaris, por isso as ruas estavam cheias de ninguém, até mesmo era possível ouvir a alegria contagiante deles através de dispositivos semelhante à rádios, era nítido que claramente não se importavam com um simples caminhante arruinado. Próguito se afogava cada vez mais em seus pensamentos odiosos, voltados para si e ao mundo, cada passo dado se afundava mais em seus devaneios sombrios e o seu antigo vício batia na porta de sua alma, esperando uma brecha para contaminá-lo novamente. Plic Precisou de uma gota d'água cair em sua nuca para voltar à realidade, seus olhos cansados rodearam a rua para reconhecer aonde havia ido. Ele acabou se afastando um pouco do caminho original para a sua casa, e por causa da chuva ele precisava se refugiar dela pois não trouxera seu guarda-chuva, pois estava quebrado e em sua maleta havia documentos importantes demais para serem molhados. A sua maior esperança era encontrar uma cobertura no primeiro beco que ele avistou, já que não havia tal segurança na rua onde estava. Próguito correu o mais rápido possível para o beco, mas acabou tropeçando no chão molhado, sujando toda a sua roupa. Felizmente a maleta só estava suja na parte exterior dela e não abrira caindo seus documentos. Guito sentia estar em um de seus estados mais miseráveis, não recordaria facilmente na sua vida de um ano que se sucedera de forma tão tenebrosa. Nesse momento tudo já estava perdido, como se as preocupações tivessem desaparecido, Próguito apenas se levantou e começou a andar calmamente para a cobertura, não se importando com a chuva, que já o havia sujado por completo. Enquanto se aproximava, ele percebeu que havia uma pessoa com a face voltada para a sua direção, não sabia se era homem ou mulher, pois usava uma máscara branca. Estranhamente parecia que até mesmo já esperava alguém naquele local pela forma relaxada que se encostava na parede. Quando chegou na cobertura percebeu que as vestes pretas e a máscara lhes eram familiares de certo modo. "Eaí, doutor", disse uma voz masculina enquanto acenava com a mão. "Oi." "A chuva tem sido uma dificuldade para nós dois, não acha Próguito?" "A chuva...", Próguito virou-se para os céus e prosseguiu após uma inspirada funda, "Não me importa mais. O meu dia já tem sido uma grande merda", admitiu Próguito enquanto se sentava no chão seco com os braços por cima do seu joelho. "As perdas são grandes, mas você não pode se deixar estagnar, é necessário continuar caminhando, se não tudo até agora terá sido em vão." "Viver em um mundo injusto como o nosso é bem difícil…" "Nossa essência social existe principalmente para esses momentos, sabia?", disse estendendo sua mão para levantá-lo após se aproximar. Quando suas mãos se encontraram, Próguito e o homem desconhecido se conectaram, como que através de um fio vermelho, que fora mui bem esticado para que o alcançasse e amarrasse o nó do destino. "Obrigado, mas não há o que ser feito." "Meu caro, é necessário que inanimado fiquemos, para que os nossos verdadeiros inimigos, que estão escondidos nas sombras dos objetos que criaram, possam encher o nosso belo céu com a imundície deles. As obesas nuvens enrugadas que carregam em seu âmago corrupção e perversidade, elas emanam tempestades ácida em nós, porém, não neles que estão acima de tudo isto. Nós não podemos deixar que eles continuem nos controlando e condicionando a sermos porcos, para que só consigamos olhar o que está à nossa frente, impedidos de se voltar para o que está acima de nós. Você é capaz de compreender a difícil posição em que estamos? Ora, não estou falando de nuvens, e sim de uma batalha importante pela justiça." Ele não havia prestado tanta atenção assim no discurso do homem, pois estava imerso em suas reflexões, mas ainda assim disse: "Há coisas que entendo e outras que não entendo", observou Próguito o homem mascarado com mais atenção, se recordou de onde o vira antes e continuou "Por sinal você me é familiar, vi falarem de você em um jornal, que você é um líder de uma organização criminosa emergente." "Eu não chamaria exatamente de criminosa. Há algo em comum em todos que eliminamos, eles permanecem imersos no fundo do oceano da maldade, é necessário que um nadador habilidoso como eu mergulhe até onde estão para afogá-los de vez, já que perderam a capacidade de voltar para a superfície." "Mas você só está invertendo a posição da vítima e agressor. Caso as pessoas seguissem sua ideia você nem estaria aqui para contá-la... a realidade é que você apenas está desencadeando um efeito dominó que gera mais violência a cada passo." "Se o que eu faço não fosse necessário, não teriam pessoas ansiando a justiça através da razão. Ora, meu desejo é tão somente encerrar a opressão existente, não perpetuar esse sistema. Estou vivo, sim, mas não por falta de tentativa. Você fala como se violência fosse algo necessariamente ruim, sendo que muitas vezes ela pode ser usada a favor da justiça, como para punir os mais devassos, tudo depende da dose, do dosador e do dosado." "Você se coloca como juíz e julga baseado em seu palpite, na verdade é bem conveniente." "Se eu nada fizer, o que restará será impunidade, como a que dominou hoje cedo." "Tsk”, Próguito estalou os lábios sentindo desgosto ao se recordar, mas também percebeu que de alguma forma o homem já o conhecia e havia uma intenção em toda sua postura, então resolveu perguntar “Mas por que você está aqui?" "Você conseguiria descobrir usando a sua habilidade especial se quisesse, não é?", respondeu o mascarado apontando para sua face. "Não consigo utilizá-la agora", o jovem advogado refletiu nas palavras do homem e afirmou "De alguma forma você já me conhece bem." "Vamos lá, pegue isto antes de continuarmos", disse-lhe o homem de preto entregando-lhe uma toalha de cor bege e um conjunto de novas roupas pretas, "Afinal, é melhor que conversemos com você estando limpo." As roupas lhe pareciam tão novas, como se tivessem acabado de sair de uma fábrica. "Obrigado, mas elas são bem novas, devem ser caras", ressaltou Próguito surpreso com a qualidade enquanto removia toda a lama de seu corpo e o excesso em sua roupa. "Você desconsideraria utilizá-las se fossem roubadas?" perguntou o misterioso homem soltando um leve riso. "Acho que não", disse Próguito estranhando o questionamento, depois continuou com uma pergunta enquanto se vestia "Te chamam de Rayson, né?" "Na verdade é Rasyon, Rasyon Hene, sou o criador do Caminho da Razão." "E o que você realmente quer de mim?" "A nossa organização possui uma divisão principal em dois cargos: os Batedores e a Base. Os Batedores lidam com as missões oficiais e principais, a Base por sua vez cuida de tarefas secundárias fornecendo um suporte igualmente importante", explicou Rasyon sacando sua espada, "A Base é como a empunhadura desta espada, atuando em missões como construção de bases, armazenamento de artefatos e comidas, criação e administração de nossas empresas. Já os Batedores são como a lâmina desta espada, servem para cortar os perversos, a unidade em que se concentra nossa força física, precisamos tanto da empunhadura quanto da lâmina para utilizar a espada que nomeei Caminho da Razão. Como pode ver, eu sou um batedor", embainhou sua arma e continuou, "No caso, você entraria para a Base, suas habilidades serão muito bem aproveitadas em nosso grupo." " Por que eu deveria me juntar a vocês?", questionou Próguito indiferente com o discurso de Rasyon. O mascarado começou a falar novamente "Você já viu lobos em pele de cordeiro no tribunal de hoje, provavelmente servem ocultamente à Sombrus, a irmandade nefasta. Em oposição do outro lado o que temos? A Lunicemus? Ela não passa de uma falsa oposição, criada por aliados que criaram tanto o tabuleiro, como as peças brancas e pretas desse xadrez patético. Atrás das cortinas do teatro todas as peças sirvam ao mesmo senhor. Nós somos a real oposição diante desse sistema traiçoeiro que te atormenta." "Isso não faz muito sentido, por que eles não se juntariam então? E as inúmeras mortes dos embates entre ambos?" indagou Próguito desacreditado enquanto cruzava os braços. "A razão de não se juntarem de imediato é simples: dividir para conquistar. Eles querem anestesiar toda a população, eliminar reais opositores como nós, enquanto vão adquirindo mais poder lentamente para assim conquistar o mundo de uma forma invisível e maquiavélica. As mortes são um espetáculo de uma grande apresentação para psicopatas, eles nunca chegaram perto de extinguir a existência do outro, afinal, ambos são importantes para o próprio crescimento, pois um cresce com sob ameaça do outro. Se não houvesse a Sombrus, não haveria necessidade da existência de Lunicemus e seus avanços na tomada de poder dentro dos países, sob a justificativa de trazer a paz. Da mesma forma se não houvesse um falso opositor à Sombrus, um oposto verdadeiro se ergueria, que não a deixaria tão livre por aí quanto está." "Difícil é provar, se não for capaz é apenas algo que você acredita." "Eu ouvi da própria boca do último descendente dos Voliah, Missio Voliah, que eliminei em minha primeira missão. Eles revelam pequenos detalhes para mostrar à todos quem está na cadeira do poder, como um símbolo público de zombaria de todos nós. Até é possível que eles travem grandes guerras no futuro, mas para trazerem instabilidade social, e é na instabilidade social que surge uma oportunidade, uma oportunidade de se obter mais poder, poder esse que em pouco tempo ninguém será capaz de se proteger quando for alcançado." "Se for verdade...", refletia Próguito nas palavras de Rasyon e na lembrança do caso do assassinato do Missio Voliah que ele leu para trabalhos da faculdade, após isso prosseguiu "Você é quem matou o Sr. Missio... eu lembro de ter lido os autos do processo bastante tempo enquanto estudava na universidade, mas não me lembrava de qual era o nome do suspeito. Lá dizia que o reverendo estava protegendo um casal de jovens de um vilão chamado Fiso, que havia escapado inevitavelmente durante um evento, e que você esperou ele derrotar o vilão para assassiná-lo quando estivesse de guarda baixa. Isso é grande covardia para falar a verdade, não acha?" Rasyon se aproximou de Próguito, ficando cara a cara, e lhe respondeu com mais seriedade que o normal "Covardia... ele era bem pior do que isso, um homem bem arrogante, até mesmo supremacista com os que não foram abençoados" apontou para os olhos de Guito com o dedo indicador médio e prosseguiu "Você só quer usar a lente da justiça quando lhe é conveniente? Não somente hoje, mas desde que você nasceu, tem percebido que a justiça é cega, injusta, desonesta e moribunda, e você permanece sustentando-a diante de tudo que há, mas por quê?", ele se afastou um pouco, com o rosto virado para o céu, respirou lentamente com a chuva caindo em sua máscara, olhando para a palma de sua mão que era especialmente vermelha por conta de sua luva especial e continuou, "Eu estava lá e aquele cara matou o Fiso e a jovem ao mesmo tempo, pois ele havia feito ela de refém, com um laser disparado, Voliah perfurou ambos à morte. O jovem era o próximo, mas eu intervi e o matei antes disso." "Os autos dos processos dizem o contrário, a moça foi morta pelo fugitivo, você se oportunizou da guarda baixa do Sr. Missio, enquanto ele conversava com o jovem para perfurá-lo no coração", enquanto declarava estas palavras, se recordavam mais ainda deste caso "Isso se realmente era você que estivera lá, porque depois do assassinato o culpado desapareceu por bastante tempo." Rasyon suspirou profundamente e virou-se para Próguito, se aproximando afirmou "Você leu bastante os autos, então deve saber de um item que desapareceu quando encontraram o corpo dele", ele retirou um item de um bolso interno e o ergueu. "O broche da família Voliah!!", era broche dourado reluzente com detalhes prateados, com o brasão da família Voliah, uma águia especial, e brasão da Lunicemus, nele constavam as iniciais ‘M’ e ‘V’. "Sempre o carrego comigo e desde então e tem sido uma pedra no sapato deles", guardou o broche e disse "Os autos foram adulterados, modificaram o testemunho do jovem e a autópsia, mataram-no em sua casa após incendiá-la. Acabei não conseguindo salvar quem desejava, mas faz parte do processo. Da mesma forma que você não conseguiu salvar o seu amigo." Próguito lembrou-se de seu amigo e logo se entristeceu, questionou ele então "Você realmente tem o poder de mudar o mundo? Não seria melhor para mim aliar a eles do que você? Eles possuem mais poder e naturalmente já vão conseguindo mais e mais, como você disse. Seria mais fácil para eu conseguir chegar no topo do poder e alcançar o mundo que desejo." "Jovem, isso não é uma brincadeira de criança. Eles são mais espertos e estão a bastante tempo com grande poder em mãos. Você não pode esperar enganá-los tão facilmente, a astúcia deles é algo que não deve ser subestimada. No processo você também precisaria fazer coisas das quais não gosta nem conseguiria. No final você estaria em um jogo de gato e rato, que terminaria com sua cabeça decapitada em algum lugar qualquer. Quanto a mim, coloco minha vida em risco todos os dias pelo nosso sonho." "E que garantia eu tenho de que você não tentará me matar também, quando eu perder a minha utilidade para você?", indagou Próguito curioso com a resposta de Rasyon. "Independente do que aconteça, sempre haverá uma forma de nos ajudarmos. Somente traição que não há salvação." "Sim, traição é algo imperdoável." Ouviram então gritos e passos pela rua que estavam se aproximando, Próguito virou-se para a entrada do beco, depois de alguns segundos três homens passaram por lá correndo em sua direção. Eram três guardas equipados, suas roupas evidenciaram que eram da força de defesa do país, além de que carregavam o próprio emblema deles, uma espada dourada de três pontas voltadas para baixo com um cabo vermelho dentro de um hexágono branco com bordas douradas. Qualquer que fosse a situação, não parecia agradável à Guito, pois ele estava conversando com um criminoso, se fosse pego quem sabe o que restaria dele. Ao menos a chuva cessava com seu ataque irritante. "Identifique-se cidadão! Por acaso você viu alguém de preta máscara correndo por aqui?", questionou o homem do meio que estavam mais à frente. "Seja breve porque nos é exigida pressa, um assassino corre à solta!" Próguito franziu a testa com a pergunta estranha. Ora, não está ele conversando agora com quem procuram? Por isso olhou ao seu redor procurando o Rasyon, mas não o achou, ele desapareceu antes dos guardas chegarem ou tudo foi fruto de sua imaginação. "N-não vi ninguém não", disse ele enquanto tentava segurar seu nervosismo, pois não queria apanhar e sabia que bateriam nele se descobrissem algo. "Eu sou Próguito, apenas um advogado como podem ver." Ele não havia dedurado o mascarado, pois negar lhe parecia a maneira mais rápida de resolver a situação, afinal ele nem sabia para onde o Rasyon havia ido, nem o que estaria dele se contasse. Os guardas analisaram suas roupas e o capitão lhe disse "Isso não é roupa de advogado, não acha?", ele deu três leves pisadas como se estivesse amassando algo no chão e perguntou "Por acaso o senhor está escondendo algo de nós?" Estranhamente após essa pergunta, os três guardas avançaram na direção de Próguito para pegá-lo, como se soubessem de algo. Ele não queria sentir mais dor, por isso se afastava virado para os guardas com medo de levar um tiro ou algo do tipo. No desespero ativou sua habilidade Conexão Mental ao olhar nos olhos do capitão, seu olho direito reluziu um verde forte, compartilhando os pensamentos do guarda com ele "Este palerma imbecil acha que somos idiotas só pode! Não é possível que ele espere sair impune dessa, primeiro eles desviam o olhar procurando pelo ladrão, e ainda tem a cara de pau de usar as roupas que aquele verme roubou!" Se surpreendeu Próguito com essa afirmação "Ué realmente eram roubadas?", essa distração foi o suficiente para que ele escorregasse e caísse de costas no chão, estava agora Guito à mercê dos guardas. "Nós pegamos você, rato imundo", disse o capitão que rapidamente avançou para atacá-lo, pondo as pernas suspeitas com um porrete preto. "Vou quebrar suas pernas antes que você faça qualquer coisa e você nos levará até ele!" é o que pensava o guarda enquanto atacava. Próguito sabia que seria bem doloroso sofrer um ataque direto desses, dor essa que ele não estava disposto a enfrentar. Por isso foi rápido para tentar posicionar a mala como um escudo para suas pernas, não se importando com os documentos contidos nela. Contudo, antes que a durabilidade da mala fosse colocada à prova, surgiu um feixe de luz após o som do vento correndo. Era o sol que brilhava fracamente acima dos três corpos caídos depois do corte de um habilidoso espadachim, que dividiu-os ao meio jorrando muito sangue, principalmente no pobre advogado. Era possível ver os ossos e alguns órgãos, a saber, um pulmão bem preto, provavelmente do capitão, não se sabia porque tudo havia se misturado em uma dança nojenta e repugnante. Guito pulou de susto para trás com sua nova roupa manchada, dessa vez de barro e sangue, e gritou "Vo-você m-mat...", antes que completasse suas palavras algo atravessou sua boca mais rápido que as palavras, vomitou tudo que comeu de manhã devido àquela visão bárbara, apoiava-se na parede para permanecer de pé e respirava lentamente para voltar a si, sentiu uma onda gélida percorrendo todo o seu corpo. "Achei que você já tinha se acostumado com as mortes, advogado", disse Rasyon enquanto arremessou o sangue na espada para longe e depois a embainhou novamente. "Você é cruel e louco! Você não sabia se eram pessoas boas ou más", disse Próguito com os olhos lacrimejando, sentia medo agora do monstro que estava ali, pois não sabiam o que ele poderia lhe fazer caso não quisesse seguir sua palavra, já que Rasyon não se importava de matar os outros. "E o que você vai fazer? Me matar?”, deu uma risada e tocou na bainha da espada com sua mão esquerda, e isso foi o suficiente para colocar o pobre advogado em um estado de terror, continuou falando “Quem é contra mim não é por mim, eles eram coniventes à corrupção, já que não lutavam contra ela, mas contra mim, um mero opositor da maldade", agachou e começou a pilhar a mistura nojenta na tentativa de achar alguma coisa útil. "Eles eram apenas trabalhadores normais... eles estavam atrás de você por ter roubado esta roupa", disse Próguito aterrorizado olhando para a roupa que estava usando. "Se não fosse eles, seríamos nós os mortos. Eles não me perseguiam somente por roubo, mas por todos os crimes que cometo em nome da justiça. A mesma maldade que residia no rico que matei mais cedo, estava nesses policiais, apenas puni ambas." "Mas você não tem capacidade de saber disso, e eu que poderia saber disso ainda assim não faço." “É porque você não tem a capacidade”, Rasyon levantou-se segurando três saquinhos e retrucou "Ei olhe isto aqui, são drogas. Provavelmente eles vendiam me compravam às escuras. Isso torna a morte deles menos pior para você?" "Não, esse não é o ponto. Você está apenas justificando o seu crime com algo que achou", declarou Próguito após apontar o dedo para o mascarado, estava irritado ao encontrar uma conduta tão ignorante, todo o estresse acumulado culminou nessa reação, de alguém confuso com tudo o que estava acontecendo em seu interior. "Jovem, você me entendeu errado. Eu os matei sim, mas não por causa de drogas ou possíveis crimes, foi porque se colocaram no meu caminho, tão somente por causa disso. Você estava procurando uma justificativa plausível para você de eu matá-los. Eu faria com qualquer um que colocasse em risco, seja considerado boa ou má em vossa visão deturpada de mundo, não seja hipócrita. Apenas caço imorais e os elimino após constatar tal depravação. Quem é contra a purificação do mundo não seria a impureza que teme ser removida?" "O tribunal existe justamente para punir esses imorais, uma pessoa sozinha não pode decidir quem morre ou vive." "Os imorais assentaram na tribuna da justiça, esqueceu disso? A justiça que servia para defender o honesto, agora corrompida pela maldade serve para oprimir-lo." "Mas e você?", perguntou Próguito enquanto o encarava. "O que tem eu?" "Você representa uma ameaça ao mundo que você mesmo quer criar. Você não está em condição de viver nele." "Sim, é verdade." "O que você fará consigo mesmo após conquistar o que tanto deseja?" "O que a minha razão me guiar, seja para o meu bem ou não." "Você realmente é bem louco, não acredito que conseguimos ser imparciais com nós mesmos." "Minha loucura que o fez sobreviver dos guardas." "A mesma que me colocou a três passos do porrete daquele gordo", completou Próguito que a essa altura já estava se acalmando, apesar de ainda restar raiva. "Sim, a mesma”, respondeu Rasyon enquanto esticava seus braços para cima, continuou dizendo “Enfim, eu já te disse o essencial. Caso você se interesse pela minha proposta, verifique o seu bolso interno." Guito enfiou a mão no tal bolso e achou um envelope preto, abriu-o para ler enquanto caminhava para longe e disse "Certo, adeus." "Adeus, pense bem em como quer viver daqui para frente, e lembre-se de que não sou um inimigo", Rasyon se afastou de Próguito despedindo-se com as mãos. Rasyon andava pelas ruas que permaneciam vazia refletindo a conversa com o advogado "Será que você será capaz de se sacrificar justamente quando conquistar o mundo que deseja?", logo ele assentiu com a cabeça e disse "Sim, não é como se tivéssemos algo a perder agora, certo?", continuou pensando "Esse advogado está mentindo para si mesmo, julga-me utilizando sua persona construída através da doutrinação, mas em seu interior deseja o mesmo que eu, ele não consegue aceitar seu lado sombrio ainda." Andava pelas ruas com sua mão esquerda próxima de sua bainha. Mais à frente o mascarado encontrou uma pessoa que carregava o livro negro consigo, não estava no evento como era o esperado, esta o estranhou mas ainda assim cumprimentou Rasyon gentilmente e ele o retribuiu. Pensou enquanto continuava a andar "Quando será que verei o mar novamente? Oh azul do mar..."

[...]

Próguito abriu os olhos cansado e percebeu que já era manhã, o sol passava no firmamento com maior potência que no dia anterior. Mas ele teve uma péssima noite de descanso, pois demorou algumas horas para pegar no sono. Próguito se sentia bem cansado ainda, por isso ficou deitado por um tempo refletindo na vida. Seu melhor amigo Alisson já foi executado a essa hora, conforme a sentença condenatória à pena capital. Mas todo o processo de julgamento foi muito estranho para qualquer pessoa que tenha uma experiência mínima em tribunais, foram apresentadas evidências que eram impossíveis de serem conseguidas pelo Promotor de Justiça, Dr. Rui Gonzaga, parece até mesmo que foram criadas para incriminá-lo. Cogitou em sua mente aliar-se ao homem mascarado, talvez ele poderia lhe ajudar a alcançar o mundo que sonhava em seus devaneios da juventude. Contudo, falou consigo "Melhor não", pois lembrou de tudo que aquele homem fizera em sua frente, depois de tudo que dissera para ele, seria hipocrisia se aceitasse. Decidiu se levantar então, seu corpo ainda estava dolorido, acompanhando seus infortúnios. Próguito começou a preparar o seu café, que apesar de não gostar do sabor, ainda assim o tomava pelo efeito energético. Ainda assim dessa vez acabou colocando mais açúcar que o seu normal, normal este que qualquer um acharia bastante. Ele tomava o seu café dulcíssimo apoiado na varanda de seu apartamento, podia ver muitos carros apressados em um trânsito engarrafado. Próguito podia os ver, mas ao contrário não era verdade, pois os motoristas estavam mais preocupados em apertar a buzina do que com quem estava os observando. Notou então um carro da polícia, tinha o mesmo emblema dos homens, logo lembrou-se dos três guardas e tentou se esconder atrás da cortina após um ataque súbito de pavor, pois a essa hora eles já haviam achado os corpos deles, "E se eles acharem alguma ligação comigo lá?" é o que ele pensava com receio. Lembrou-se do envelope preto que descartou após ler. Era para ele se encontrar ainda hoje com o Rasyon se quisesse entrar para sua organização, "Talvez seja isso que tenha sobrado para mim fazer" é o que Próguito pensou. Ele reprovava com a boca, mas cogitava em seu coração, já que não lhe parecia haver restado esperança no seu caminho atual. Restava-lhe algumas horas até decidir se realmente cometeria essa loucura de aceitar o convite do mascarado ou não. Se sim, Próguito precisaria se encontrar às 20 horas em um beco mais escuro ainda que o anterior. Ele temia sair de casa, mas era necessário, seu corpo já havia cedido à tentação de voltar a fumar. Próguito sabia muito bem que seu vício retornaria cedo ou tarde, só não sabia quando. No começo de seus estudos, ele havia enfrentado muito estresse e enquanto fumava, sentia uma paz em seu coração. Foi Alisson quem lhe auxiliou a parar de fumar, eles jogavam tênis de mesa juntos enquanto conversavam sobre a vida, ele foi como um irmão mais velho para Próguito. Ele vestiu roupas casuais e saiu para as ruas, andava olhando para baixo, mas ainda assim espiando ocasionalmente para ver se alguém o perseguia. Enquanto andava passou por uma bar e percebeu que a notícia reproduzida na televisão era sobre o Rasyon. "Ontem às dezesseis horas e quarenta e sete minutos, na cidade de Apricaris, infelizmente o estilista e empresário Lionel Ross, responsável pela Patis, referência nacional na moda, foi assassinado pela organização criminosa O Caminho da Razão. Recebemos informações de que seu líder, Rasyon, o matou com uma apunhalada em seu peito e roubou algumas das novas criações da grife Patis. Em sua fuga ele foi interceptado por três guardas que infelizmente acabaram morrendo em combate. Atualmente Rasyon encontra-se foragido pela cidade, se você o ver ou tiver qualquer informação sobre ele, relate à polícia imediatamente, eles já estão conduzindo uma investigação minuciosa sobre todo o caso." Um velho senhor que estava bebendo com alguns colegas disse olhando para a tela "Se é que foi aquele cara, ele teria deixado aquele livrinho junto do corpo", o homem virou o copo cheio de cerveja, levantou-se e depois acrescentou apontando para a televisão "Mas os tiras não querem mostrar o livrinho dele, então esse Lionel realmente era um criminoso." "Se aquieta aí, ô boca torta", disse seu amigo após arremessar a carta dez espada na mesa e lhe aconselhou "Foca na partida, esses assuntos aí não mudam em nada nossa vida." "Você tem razão..." disse o velho que se sentou na cadeira e após olhar para suas cartas perguntou "Cê acha mesmo que essa cartinha mixuruca vai fazer alguma coisa?" puxou uma de suas cartas e continuou "Eu tô achando é que..." Próguito virou-se novamente para a televisão, a jornalista continuou com as notícias "O ex-assessor jurídico que teria arquitetado um esquema jurídico de bilhões, desviando verba pública destinada à assistência social através de empresas de fachada é condenado à sentença de morte. De acordo com o tribunal de justiça, Alisson...", ao ouvir o nome de seu agora falecido melhor amigo, ele sentiu grande desgosto da mídia e uma amargura na alma, ouvia pessoas comemorando a morte de um inocente, então se afastou com a pressa de quem foge da verdade cruel, verdade essa que a mesma justiça que o acolheu e adotou em sua mocidade, acabara de executar uma das pessoas mais importantes de sua vida. O mesmo braço que fora usado para lhe abraçar, também foi usado para estrangular outros. Não era a primeira vez que Próguito viu uma pessoa culpada por crimes que não cometeu e nem seria a última, disso ele tinha certeza. Continuou andando até chegar no mercado mais próximo, que frequentava regularmente, lá ele comprou um maço de cigarro, apesar de sua vontade de fumar ter passado, comprou também macarrão instantâneo, já que queria comer algo rápido de se preparar. Colocou o maço de cigarro no bolso e carregava o miojo em uma sacola. Chegando na rua onde morava, viu que haviam muitos carros pretos estacionados em frente seu apartamento, aproximando-se mais da entrada viu alguns homens trajados de terno preto, que conversavam com o porteiro. "Faz quanto tempo que ele saiu?", perguntou um dos homens que usava uma cartola com fita vermelha. "Pouco mais de quarenta minutos, mas por quê? O Próguito fez alguma coisa de errado?" questionou o porteiro que acreditava na inocência do advogado, independente do que dissessem que ele teria feito, pois Próguito já o ajudou sem cobrar nada algumas vezes. "Nós precisamos conversar, meu bom senhor, se é que me entende", disse o homem, abaixando levemente sua cabeça e apertando a orla de sua cartola com seus dedos. Ouvindo as palavras do homem, Próguito se desesperou e afastou-se rapidamente de lá. Se esses homens entrassem em seu apartamento achariam a roupa roubada pelo Rasyon. Tinham descoberto ou descobririam em pouco tempo, independente de sua escolha, seu destino já foi traçado, e em meio à incerteza optou por fugir como sempre tem feito ultimamente. Contudo, ele sabia que não conseguiria escapar por muito tempo da polícia ou dos fótons, já que ele nunca fez nenhum treinamento de sobreviver furtivamente dentro da sociedade. Desde que acordara, ele só bebeu um pouco de café, ainda estava com fome e como não podia ir para seu apartamento, optou por ir em um pequeno restaurante que os donos já o conheciam. Próguito não estava acostumado a caminhar por longos períodos sem pausas, em meio ao perigo já estando exausto por causa do dia anterior, suas pernas já estavam doloridas, por isso o ritmo de seus passos diminuíam conforme andava. O restaurante era distante o suficiente para alguém que fosse caminhando em seu estado, então ele sabia que demoraria um pouco para chegar lá. O cuidado para não ser percebido pela polícia e nem ser pego pelas câmeras era sua âncora que o afastava do mar de pensamentos que tentavam afogá-lo. Ele se concentrava em escolher caminhos pouco utilizados, usava seu próprio corpo e a sacola estrategicamente para bloquear a visão das câmeras pelas ruas discretamente (quando tinha) e bagunçou um pouco seu cabelo marrom no desespero, a fim de dificultar o reconhecimento de sua identidade, pois sempre usava o mesmo estilo de cabelo. O sol potente também começou a afetá-lo, sentia muita sede, estava fedendo e suava bastante. O seu hoje conseguia ser tão ruim quanto o seu ontem, se sua vida continuasse piorando assim, melhor seria o não hoje, era o que passava na mente de Próguito. Todavia, durante o caminho, um tsunami derrubou qualquer expectativa que ele tivesse de desviar seus pensamentos e o navio da vigilância tombou quando ele percebeu que as pessoas que passavam por ele nitidamente sussurravam coisas depreciativas, outros apenas riam veladamente de seu semblante desgraçado por se julgarem superiores. Suas pernas bambearam, Próguito não aguentando a fadiga caiu de joelhos no chão dizendo "Por que tudo isso tem acontecido comigo?", e prosseguiu quase chorando com os punhos no chão "O que eu fiz para merecer tudo isso?”, continuou lamentando em pensamento “As pessoas me tratam como se eu fosse um louco. Não é só o tribunal que está errado, esse mundo todo está corrompido. Para eles, seu deveria simplesmente fingir que nada tem acontecido, que está tudo bem, superar tudo com uma força que eu não tenho. Não dá para ignorar tudo isso... é doloroso demais." O advogado sentiu pela primeira vez pela como seus clientes se sentiam em relação à sociedade, as pessoas pareciam ter esquecido que ele era apenas um humano como todos eles, que também tinha suas próprias emoções e sentimentos. Sentenciavam "culpado", sendo que fora posto em situação de réu injustamente, faziam acusações infundadas, não percebiam o que estavam fazendo com alguém que simplesmente não tinha culpa da posição em que estava. Sentiu Próguito uma mão gentil passar sobre sua cabeça, que se posicionou em sua frente para levantá-lo. "Posso te ajudar, irmão?", ele aceitou a ajuda daquele homem, que lhe apareceu como se fosse um anjo, seu cabelo e seus olhos refletiam o próprio céu, apesar disso vestia uma estranha roupa preta com alguns detalhes roxos que parecia mais um uniforme. Ele junto com um amigo, ajudou Próguito a se erguer. O homem disse "Eu sou Luca", continuou falando, apontando para cada um de seus amigos que cumprimentavam o advogado conforme ele falava seus nomes "Esse do seu lado é o João, e aqueles três ali são Beatriz, Matheus e Lorena. Qual é o seu nome?" "Obrigado…”, disse Próguito parando por um instante, como se tivesse entrado em êxtase e continuou após alguns segundos “Vocês podem me chamar de Guito, é um apelido meu." "Use sua habilidade ,Matheus", após proferir essas palavras, o mercenário de cabelo verde usou sua habilidade na parede mais próxima, tornando-a viscosa e Próguito entrou na parede como estivesse entrando em um colchão macio, era confortável e um bom lugar para descansar. Beatriz havia se aproximado para fazer algo, mas Luca a impediu lançando o braço na frente de Beatriz e disse "Não é necessário que você faça isso." "Vocês usam roupas bem parecidas, por acaso são fótons?", questionou o advogado, desejoso em descobrir mais acerca daquelas pessoas, pois não havia esquecido que estava sendo perseguido e do deslize que cometera. "Não, não somos. Na realidade, nós somos mercenários ambulantes, vendemos nossas habilidades por dinheiro, mas sem nenhum vínculo com a Lunicemus. Apesar de ser mais popular atualmente, há serviços indisponíveis, que ela não oferta, pois é bem limitada em certos aspectos, e é justamente aí que nós entramos, os mercenários", disse Luca com um sorriso de canto, levantando um joia com a mão apontada para si mesmo e continuou "Se você precisar de nossos serviços algum dia é só nos contratar", entregou um cartão de visita com seu contato para Próguito, que o enfiou no bolso. Próguito se preocupou com os danos causados no prédio pela habilidade de Matheus, após reparar no estado estranho em que se encontrava, mas este lhe respondeu "O efeito da minha habilidade é apenas temporário, relaxa. Aliás, Luca, eu usei minha habilidade e a Beatriz quase usou a dela, acredito que na próxima já podemos cobrar ele pelo nosso serviço, o que acha?", questionou Matheus sarcasticamente. "Para ser mercenário, irmão, assim ninguém vai nos contratar." "Ué, e não é isso que nós somos?", questionou Matheus soltando uma risada. "Mas seria injusto cobrarmos por algo que deveria ser nossa obrigação enquanto cidadãos, não acha?", argumentou Beatriz. "Vocês deveriam levar ele menos a sério galera, o Matheus gosta de fazer palhaçada mesmo", advogou Lorena. "Difícil quando ele quase deixou nosso último cliente morrer somente porque para ele o pagamento era pouco", constatou o mercenário de cabelo preto. "Realmente era pouco e ele não ia morrer. No final deu certo, o patrão ainda pagou um bônus!" "A que preço né Matheus, mas nós deveríamos estar interrogando aquele cara ali, não Luca?" "A um bom preço", falou Matheus baixinho. "Você tem razão, João." "O que aconteceu para você estar assim?" Próguito estava bem focado na conversa do quinteto, porém agora não sabia o que lhes responder, pois havia coisas que não poderiam ser ditas "É que ultimamente minha vida tem sido horrível... perdi pessoas importantes, não estou nesta condição que quero e ainda assim sinto o desprezo das pessoas, elas me veem como se eu fosse algum criminoso ou mendigo, como se estar assim fosse minha culpa." Luca inspirou profundamente e disse "Independente do que esteja acontecendo, você não pode se deixar levar pelo que as pessoas estão pensando de você. Como você chegou à conclusão de que a opinião dos outros, são mais relevantes do que você é?" "Mas eu nunca fiz nada para sofrer tanto assim", reclamou Próguito que esfregava a mão no rosto por causa da dor de cabeça. "Se o mundo fosse construído a partir de nossa justiça, ele seria injusto, nós somos falhos, Guito. Quantas vezes você não olhou negativamente para pessoas que também estavam em momentos tão ruins como o seu? Não podemos ser hipócritas aqui." "Ele parece estar bem cansado, só precisa descansar um pouco. Por que não o levamos conosco para almoçarmos juntos? Nós já estávamos procurando um restaurante mesmo." "Calma aí, Beatriz, gastar nosso dinheiro suado, que colocamos nossas vidas em jogo, com esse marmanjo aí?", perguntou Matheus enquanto apontava para Próguito, que não gostou nem um pouco de sua postura. "Luca é o nosso capitão, ele que decide o que acontece, não você." "Acalme-se João, o Matheus é nosso tesoureiro ainda assim, eu o escolhi para isso porque apesar da avareza, ele é bom em administrar." "Viu só?" "Eu pago por mim, não preciso viver de favor dos outros", afirmou o advogado irritado com o tesoureiro dos mercenários. "Ah é? Você pode pagar? Então você também pode pagar o nosso serviço de mais cedo, não?" "Mas", ia dizendo Próguito mas teve uma ataque de tosse e pediu água, Luca jogou sua garrafinha roxa, igual o cabelo de Beatriz, para ele saciar sua sede. Após beber o resto de água que havia, entregou para João que estava próximo, que a recebeu vazia, continuou dizendo "Valeu, Luca. Aliás você deveria tomar mais cuidado com seus contratos, Matheus, pois um bom advogado pode fazer o seu 'dinheiro suado' voar para o bolso dele", após isso completou "Você quer pagamento, não é? Pode pegar o que está na sacola para você." Ele pegou a sacola, abriu e disse "Você é bem abu...", antes que Matheus terminasse de provocar Próguito, o João deu uma cotovelada em sua barriga, desestabilizando ele, que prosseguiu reclamando "Precisava disso, cara?" "Obrigado, João. Agora nós podemos decidir sobre o almoço." "Ahahahaha! Até mesmo o Luca não te defendeu dessa vez", Lorena caiu na gargalhada apontando para Matheus. "Nós podemos comer o miojo que esse vagabun...", Matheus ia dizendo enquanto esticava a sacola para cima, mas este preferiu se calar ao perceber que foi ignorado e para que João não o viesse com outra cotovelada nele. Deixou a sacola no chão mesmo, e aproveitou para pegar uma pedrinha no chão que era um velho hábito dele. "Vamos continuar então, Guito, você consegue se levantar?", questionou Luca, que estendeu a mão para ele caso a ajuda fosse necessária. Próguito aceitou o auxílio de Luca e se colocou de pé, o Matheus desativou a Conformação Gelatinosa e a parede logo recuperou sua robustez como se Guito nunca tivesse a usado para descansar. "A sua habilidade é interessante até Matheus", disse Próguito enquanto pensava na utilidade dela, pensava em sua mente o que aconteceria se o tesoureiro dos mercenários desfizesse seu poder enquanto ele estivesse dentro da parede, sentiu uma pontada em sua alma ao cogitar tal possibilidade. Matheus declarou "Nem tanto, se ganhar uma habilidade fosse através de uma escolha e não de forma congênita, eu definitivamente escolheria algo melhor, como um toque de Midas, tendo o pleno controle de quando usá-la é claro", respondeu Matheus enquanto esticava uma pedra usando sua habilidade e depois soltou-a desativando, fazendo com que a pedra voasse em alta velocidade destruindo um radar de trânsito e continuou "Eita, pelo menos ninguém gosta disso mesmo, né?", os outros quatro mercenários estapearam suas faces. "Você não para quieto também, tá igual uma criança", disse João que já havia se estressado o suficiente com as palhaçadas de Matheus, então puxou ele pela gola. "Ele sabe que o dinheiro do conserto sairá do próprio bolso", antecipou Lorena com um leve sorriso, antes que Matheus falasse qualquer coisa. "O restaurante mais próximo está a umas duas esquinas daqui e ele parece ser bom", falou Beatriz que estivera procurando um bom restaurante no celular. "Obrigado, Bia", respondeu Luca sorrindo, depois continuou "Para onde precisamos ir? Matheus, enquanto vamos para lá, noticie os guardas do estrago que você fez sem querer, e já dê um prazo do pagamento pelos danos", Matheus assentiu com a cabeça. Próguito pegou sua sacola e os seguiu enquanto Beatriz os guiava para o restaurante. Eles entraram no local, transpirava um local aconchegante, além de possuir um bom cheiro, que foi rapidamente identificado pelos integrantes. Sentaram numa mesa com seis cadeiras, indicada pelo garçom e pediram cada um o que iria comer. Próguito foi o primeiro a escolher, talvez por estar com mais fome que os outros, mas escolheu estrogonofe com bastante batata palha e suco de laranja. Os mercenários escolheram a mesma coisa, todos concordavam na culinária ou pediram para acompanhar o advogado. Luca dispensou o garçom com um aceno e depois virou-se para Guito e disse “Agora você pode nos falar sobre sua vida, o que te aflige, irmão?” Próguito sabia que voltariam a conversar sobre ele, apesar disso não lhe agradar, olhando para baixo respondeu “Alisson Ford, vocês com certeza ouviram falar dele recentemente.” “Aquele cara que foi julgado ontem por desviar verba pública?”, perguntou Matheus. Próguito uniu suas mãos como se elas se abraçassem e disse “Sim, eu fui o advogado dele nesse caso, mas eu sei que não foi ele. É como se tivessem armado para cima dele para acalmar a raiva das pessoas contra a corrupção do Estado, como se fosse um sacrifício” “Como você tem tanta certeza de que não foi ele?”, questionou João. “Eu o conhecia há bastante tempo, eramos melhores amigos. Ele era uma boa pessoa e eu consegui me tornar quem sou graças a ele.” “Vocês não são mais amigos?”, indagou Luca. “Ele foi executado hoje…”, após Próguito revelar o destino de seu amigo, os mercenários se compadeceram pela sua dor, afinal eles conheciam a dor de perder um grande amigo. “É bem difícil ser sentenciado à morte nesse país, quais exatamente eram as provas?” “Ei, Matheus, não seja insensível!”, advertiu Beatriz. “Mas se usaram uma sentença tão pesada, devem ter tido provas igualmente pesadas.” “Está tudo bem perguntar. Houveram pessoas que testemunharam contra ele, aqueles que ele havia ajudado em sua carreira. Ele foi traído pelos seus amigos, depuseram afirmando que ele era o autor deste esquema bilionário, para que ele sofresse a maior sentença e servisse para expiar o ódio da população. Eles não sofreram pena tão grande quanto a dele é claro. Além disso, falsificaram um documento em que ele teria dado ordens e instruído como o esquema seria realizado. Eu resisti por seis meses, mas aquilo estava sendo bastante doloroso para nós dois, ele tinha percebido isso e que eu não conseguiria por mais muito tempo. Então ele confessou crimes que não cometera para finalmente encerrar tudo, ele já estava bem cansado e decepcionado com todos, por isso escolheu a morte...” Após um longo silêncio, Luca olhou para seus companheiros, voltou-se para Guito e então consolou dizendo “É muito difícil lidar com as perdas, mas é importante lembrar que não é o fim. Tenho certeza de que ele desejaria que você continuasse vivendo buscando a felicidade, não se deixando abalar por essas coisas”, olhou para as mãos de Próguito que estavam se soltando lentamente e prosseguiu “O que você pretende fazer? Isso é o que mais importa agora.” O advogado incerto sobre o futuro respondeu “Honestamente não sei…”, sua mente estava mergulhada em dúvidas. “O que será de mim no futuro?”, Próguito pensava aflito, estava sendo perseguido, não sabia quando poderia descansar novamente e conversar com amigos como agora, nem o quanto já havia sido descoberto sobre seu encontro com Rasyon. Pensava novamente no convite perigoso do homem misterioso, ele definitivamente o ajudaria a conseguir viver uma nova vida afastada da sociedade. Contudo, se ele aceitar o pedido de Rasyon, infelizmente, teria de largar toda a sua vida, que fora construída em cerca de 25 anos, um quarto de uma centena! Esta escolha seria difícil para qualquer um, se bem que no caso dele, não há muitas opções. Algo o trouxe de volta para si naquele momento, era a mão de Luca novamente, desta vez sobre seu ombro “A nossa comida chegou, por agora se concentre nas coisas boas”, olhando ao redor notou que os pratos já estavam na mesa, eles já estavam comendo enquanto conversavam sobre outros assuntos. Próguito olhou para o prato e não estava mais com tanta vontade de comer, mas seguiu o conselho de seu novo amigo. Pegou o garfo e começou a comer, estava tão gostoso que o alegrou um pouco. “Um encarregado da Lênix me disse que estava pensando em nos contratar para alguns trabalhos.” Lênix era a vice-capitã da sede em Apricaris da Lunicemus, uma pessoa bem famosa por sua posição, por isso Próguito estranhou “A Lunicemus está enfrentando dificuldades? Se eles queriam contratar esses mercenários a moral deles é alta”, questionou Próguito então interrompendo a conversa “Vocês já sabem qual será a próxima missão de vocês?” “Aham”, respondeu Luca ainda mastigando a comida. “E o que vão fazer?”, questionou mexendo na comida. “Nem podemos dizer, é confidencial” “Basicamente é sobre a Sombrus novamente, ela tem causado bastante estrago ultimamente”, disse João e depois acrescentou “Isso não tem problema revelar.” “E vocês rentabilizam a partir da destruição causada por ela.” “Você pode falar nada, mano, tu é advogado, ganha dinheiro defendendo criminoso”, constatou Matheus. “Não queria entrar no mérito, só estou pensando mesmo.” “Está pensando em virar um mercenário?”, perguntou Luca curioso sobre onde andava o pensamento daquele homem. “Inicialmente não, apenas acho o conceito bem interessante” “É um bom trabalho, mas não recomendaria porque é bastante perigoso, não somente para os combatentes como nós. Muitas vezes os mercenários se encontram em meio a conflitos em que a sua decisão pode custar a sua vida ou carreira. A parte ruim é que somos jogados constantemente nestes problemas e é mais fácil sair deles com mais inimigos e problemas do que aliados.” “Luca, isso me lembra daquela missão em que protegemos aquele sócio daquela empresa exportadora de vinhos, acho que o nome era Qirmizus, não?” “Nem me lembre… aquilo deu uma confusão gigantesca.” “O que aconteceu?” “A situação toda foi muito estranha, ele nos contratou já sabendo que ia ser atacado naquela semana, não nos disse como descobriu isso é claro, nem sabemos como ele nos conhecia. Isso é só o começo, a pior parte ainda está por vir. Este homem realmente foi atacado como previra, mas foi pelo Rasyon, um vil-” “P-pelo Rasyon??”, questionou Próguito perplexo de ouvir este sair pela boca de Luca, não conseguiu conter sua surpresa ao ponto de deixar seu garfo cair na mesa. Pensou em sua mente se ele não havia entregado o fato de ter alguma conexão com Rasyon, isso foi uma ação temerária, tola e involuntária que o levou a sentir um sopro gélido em sua alma. “Você o conhece? Por que tanta surpresa?”, perguntou João, e Próguito sentiu o ar daquele lugar mudar completamente, havia um tom de pergunta inocente mas carregava em si uma perigosa cilada invisível. Todos os mercenários encararam Próguito com rostos sisudos, Luca era a exceção que carregava consigo um pequeno sorriso. Isto lembrou o advogado, que não estava conversando com pessoas normais como o porteiro de seu apartamento, eram mercenários que enxergavam Rasyon como uma oportunidade de ganhar dinheiro, já que todo os criminosos de maiores níveis possuíam recompensas por sua vida, Próguito não sabia qual era a de Rasyon, mas evidentemente ele tinha alguma. O advogado visualizou todo o seu contato com aquele criminoso em um fragmento de segundo e tomou uma decisão, contrária ao que escolheria naturalmente, pois em meio ao perigo iminente ele sentiu um pico de ousadia empolgante, a mesma que sentia quando mais jovem nos tribunais. Próguito levantou as duas mãos calmamente e disse “Sim, eu conheço”, mas antes que fizessem ou dissessem qualquer coisa ele continuou “Já vi algumas reportagens sobre ele e li sobre alguns casos dele na faculdade, como a primeira aparição dele, que matou o Sr. Missio”, demonstrou tristeza ao falar daquele homem porque fora um símbolo de heroísmo em sua juventude, “Aquele caso me marcou profundamente, porque eu gostava bastante dele”, Próguito não havia mentido, mas também não havia falado a verdade. Em meio a pressão ele optou pela meia-verdade que serviu naquele momento para afastar as suspeitas. Os mercenários se aliviaram com aquela resposta, e o ambiente retrocedeu para a calmaria. Próguito percebendo essa atmosfera de paz e curioso sobre o resultado daquela missão que Luca estava falando, perguntou “E o que aconteceu naquela missão?” “Conforme eu ia dizendo, Rasyon, um vilão que todos nós já conhecemos, atacou o cliente como havia sido previsto. Tive de lutar contra ele e consegui o vencer, porém nosso contratante queria que nós o matássemos, mas não é assim que agimos. Rasyon estava inconsciente ainda, mas enquanto discutíamos com nosso cliente, o corpo dele desapareceu, e isso enfureceu o cliente mais ainda, ao ponto de encerrar com nossos serviços naquele momento e não pagar a segunda parcela do contrato por não agirmos conforme suas ordens. O pior de tudo é que aquele Rasyon que tivemos a oportunidade de neutralizar naquela época, estava em seu início, mal o conheciam, e acabou se tornando o que é hoje graças à minha falha.” “Eu já falei para você não se culpar por isso”, respondeu Beatriz emburrada com o fato de Luca ainda se culpar por isto. “Sim, não dá para se culpar pelo o que o Rasyon faz”, complementou João, pensando consigo que não daria uma segunda chance para ele, que finalizaria a culpa de seu melhor amigo e líder, Luca. “Não é verdade, você fez o que pôde, a maior parte aliás”, falou Matheus enquanto relembrava o combate, que não tinha sido nada fácil. “Não vivemos do passado”, concluiu Lorena, que começou a refletir sobre o que disse, tomando o suco de laranja, que se assemelhava em cor com o seu cabelo. “Pois é…”, surpreendeu-se Próguito em como os mercenários reagiram rápido para ajudarem o seu capitão, isto demonstrava como eles realmente se importavam com ele. “Foi mal pessoal”, se desculpou com um curto sorriso e continuou “Ouvi falar que ele matou algumas pessoas ontem por aqui, então devemos estar preparados para caso o encontremos aqui nos próximos dias”, os quatros concordaram unissonamente. Eles continuaram conversando enquanto almoçavam tardiamente, os assuntos eram diversos, falaram de músicas, de esportes, sobre alguns casos e clientes exóticos de Próguito e dos mercenários, acabaram perderdendo a noção do tempo de tão rápido que ele passou, como se estivesse apressado com seu trabalho. Eles saíram do restaurante e se despediram, cada um seguia o seu caminho, os mercenários para direita e Próguito para esquerda, este deu uma olhadela para trás, mas seus olhos se encontraram com o de João por alguma razão, depois continuaram seguindo o seu próprio caminho. Próguito se sentia melhor agora, graças a presença dos mercenários que gentilmente o ajudou. Mas também estava um pouco chateado por sua escolha, sabia que eles com certeza desaprovariam o caminho que ele escolheu seguir. “Mas é o que está ao meu alcance agora”, assim pensava o advogado. Já estava bastante tarde, seus pés faziam o caminho automaticamente. Não eram 20 horas ainda, mas o horário se aproximava e Próguito desejava realizar um teste, mas antes disso jogou sua sacola na primeira lixeira que viu. Ele tinha uma dúvida e um palpite sobre a resposta desta dúvida. “Como o Rasyon sabia o momento ideal para atacar o Missio, assim como o momento e o lugar certo para conversar comigo? É como se ele tivesse uma habilidade de previsão do futuro, ou algo do tipo”, esta era a dúvida e o seu palpite, “Provavelmente a habilidade dele o permite saber do futuro”, era isso que ele iria testar. Não era a melhor das ideias, mas poderia funcionar e surpreendê-lo. O plano seria Próguito chegar mais cedo, mas há duas possibilidades, ele já estar lá por causa de alguma habilidade do tipo, ou por ele ser um cara antecipado, mas de qualquer forma o advogado perguntaria se a habilidade dele é sobre o tempo, se o fosse evidentemente seria muito forte. Próguito estava na rua para o beco, ela estava vazia, era uma rua esquecida pelas pessoas, parecia até um pouco sombria de tão quieta e escura que era. Ele parou frente ao beco, viu um vulto se mexendo ao fundo do beco, logicamente concluiu que era Rasyon e que sua intuição estivera correta. Naquele momento, estava bem orgulhoso de si mesmo e disse “Eu vim conforme o planejado, mas tenho dois pedidos antes de me juntar a vocês.” “Diga quais são”, respondeu a voz que vinha do beco, mas Próguito não reconhecia essa voz, nunca sequer tinha a ouvido, então sentiu um frio agudo em seu peito, se não era Rasyon quem poderia ser? Próguito sabia que dois vultos se aproximavam dele rapidamente. [...]